No ano de 2009 foi criado na Câmara Municipal de Lisboa um núcleo que reunia um conjunto de Técnicos Superiores de Direito que teriam como missão exclusiva a instrução de procedimentos disciplinares instaurados na Câmara Municipal de Lisboa. Os objetivos primordiais seriam, nomeadamente, retirar vantagens da especialização e da troca de opiniões de caráter técnico entre todos os instrutores, mas, essencialmente respeitar a letra e o espírito da Lei, que exigia - e continua a exigir - o exercício do trabalho de instrução em regime de exclusividade. Julgamos ter-se tratado de uma iniciativa única em todo o país e da qual resultou, em nosso entendimento, uma melhoria evidente da qualidade técnica média da instrução, lato sensu, e da fundamentação dos relatórios finais, com benefício para todas as partes envolvidas.
Os autores desta obra fizeram parte desse corpo inicial de técnicos, tendo-lhes surgido logo na fase inicial desse novo projeto a ideia, não ainda de realizar uma obra com esta dimensão, mas antes de elaborar um pequeno manual que pudesse ser útil a todos os instrutores, abordando aspetos fulcrais relacionados com a instrução de procedimentos disciplinares.
Com o progressivo desenvolvimento dos temas abordados naquele que, inicialmente, imaginávamos vir a ser apenas, conforme antedito, um pequeno manual, foi nascendo a ideia de criarmos uma obra um pouco mais ambiciosa, quiçá com intenção de futura publicação.
Ainda em 2009 iniciámos esse renovado projeto, mas ainda sem qualquer intenção de o mesmo vir a constituir uma obra com a dimensão que este trabalho apresenta.
Tendo ambos autores um tempo disponível relativamente limitado para dedicar à concretização do projeto, e uma vez que decidimos abordar de forma mais detida alguns pontos especialmente problemáticos do Direito Disciplinar Público, apenas em 2014 - ou seja, 5 anos depois do início do trabalho - se reuniram as condições básicas para se começar finalmente a pensar em dar por terminada a tarefa.
Todavia, em junho de 2014, foi publicada a novel Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - referimo-nos à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho - que obrigou os autores a reequacionar um conjunto de questões técnicas, mas igualmente, em termos puramente formais, a reorganizar profundamente tudo aquilo que havia sido feito. Por essa ocasião, já a presente obra apresentava uma dimensão razoável, pelo que a tarefa se revelou ciclópica.
Ainda durante esse trabalho de reorganização da obra, foi publicado o Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o novo Código do Procedimento Administrativo e que teve um impacto igualmente muito relevante no nosso trabalho. E algo de semelhante se pode dizer da entrada em vigor da entrada em vigor, no dia 1 de dezembro de 2015, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que levou a cabo uma reforma substancial do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que devem ser qualificados como os dois diplomas estruturantes do sistema nacional de contencioso administrativo. Este diploma procedeu igualmente a alterações em outros diplomas com incidência processual administrativa ou unicamente administrativa, designadamente, do Código dos Contratos Públicos, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, da Lei de Participação Procedimental e de Ação Popular ou da a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, entre outros, obrigando a alterações que são sempre complexas numa obra de razoável dimensão, na qual diversos temas se interligam e são interdependentes.
Finalmente, no segundo semestre de 2017, iniciámos a tarefa de revisão de toda a obra, em versão de papel, que se prolongou durante alguns meses, sendo que apenas em janeiro de 2018 demos por concluída esta obra.
No decurso do nosso trabalho consultámos inúmeras fontes, algumas das quais julgamos nunca terem sido antes citadas, pelo menos em sede disciplinar, de que é mero exemplo, o artigo Nulidades em Processo Disciplinar que o Prof. Marcello Caetano redigiu para a revista O Direito, publicada em 1939. Este exercício de investigação não seria possível sem o recurso ao soberbo acervo da Biblioteca da centenária Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na qual nos licenciámos e, que, tantos anos depois, viria, como se verifica, a ser o palco de muitas horas de investigação e de recolha de preciosos elementos, alguns deles inevitavelmente escondidos sob o manto de penumbra que o passar dos anos sempre origina, mas perfeitamente salvaguardados.
No que respeita ainda às fontes consultadas e, ou, citadas, é percetível pelo exame da secção de bibliografia, que percorremos vários ramos do Direito e que examinámos dezenas de obras; com cada uma delas aprendemos, e foi também com o apoio dos ensinamentos de décadas de doutrina jurídica que esta obra foi construída.
Sem prejuízo da imensa importância da doutrina portuguesa e estrangeira, especialmente da sua vertente jurídico-disciplinar, não podemos deixar de enaltecer o papel fulcral da jurisprudência dos tribunais superiores portugueses. Mesmo com os arestos relativamente aos quais manifestamos discordância, nós aprendemos. Aliás, antes de começarmos a construção desta obra, já a jurisprudência nacional desempenhava um papel fundamental no nosso trabalho enquanto instrutores. Boa parte dos conceitos e reflexões que tecemos neste trabalho têm a sua origem no extraordinário trabalho que inúmeros juízes portugueses têm vindo a desenvolver ao longo de muitas décadas. O mínimo que podíamos fazer seria dedicar-lhes estas palavras e o facto de, ao longo de toda a obra, ser sempre mencionado o nome dos relatores dos acórdãos, algo tantas vezes esquecido; singela e exígua homenagem, por certo, mas profundamente sentida.
Referimo-nos anteriormente ao percurso que fizemos por diversos ramos do Direito. A justificação para este facto é evidente: o Direito Disciplinar Público constitui um ordenamento jurídico com características particulares, que exige a convocação de diversas áreas do saber jurídico, não apenas do ramo jurídico-disciplinar propriamente dito, mas também do Direito Penal, do Direito Processual Penal, do Direito do Trabalho, do Direito Civil, do Direito Processual Civil, e de sub-ramos destes.
O presente trabalho procurou analisar com alguma profundidade algumas das principais questões que se colocam no Direito Disciplinar Público atual, tentando conciliar uma vertente prática com diversas perspetivações de caráter histórico, não apenas pelo seu interesse intrínseco, mas também porque acreditamos que a compreensão do passado, in casu especialmente da génese e do percurso de diversos diplomas disciplinares antigos, facilita a perceção do sentido, da ratio, das normas disciplinares presentemente em vigor.
Esta obra visa também refletir a experiência dos seus autores em sede disciplinar pública, que, no conjunto, já instruíram largas dezenas de processos de inquérito e de processos disciplinares; e, neste ponto, assinale-se o seu caráter quase inédito - e sê-lo-á plenamente se pensarmos nas décadas mais próximas - uma vez que a maior parte dos livros acerca desta matéria tem sido redigida por juristas ligados à Advocacia ou à Magistratura, sendo que o presente trabalho foi realizado exclusivamente por trabalhadores em funções públicas, cuja missão é, essencialmente, a instrução de procedimentos disciplinares, deste modo se mostrando uma perspetiva diversa daquela que é habitualmente apresentada.
Um agradecimento especial é devido aos diretores municipais da Câmara Municipal de Lisboa que ao longo destes anos de alguma forma acompanharam a evolução deste trabalho, designadamente o Prof. Dr. Rui Pereira, a Dr.ª Fátima Fonseca e o Dr. João Pedro Contreiras e ainda aos nossos colegas do Núcleo de Instrutores e do Núcleo de Processo Disciplinar.
Por último, esperamos que esta obra venha a ser útil aos leitores - foi este o objetivo que nos moveu ao longo de mais de 8 anos de trabalho.
Os Autores