Vitor de Paula Ramos parte de uma análise dos lugares comuns sobre a prova testemunhal, que foram repetidos por décadas e décadas em todos os países de cultura latina e que foram recolhidos em nossos códigos processuais. Uma vez apresentados, propõe-nos abandoná-los radicalmente para construir sobre bases mais sólidas uma concepção diferente da prova testemunhal. As bases dessa nova concepção são buscadas na epistemologia do testemunho, assumindo uma concepção reducionista ou não presuntivista, e na psicologia do testemunho. Essas duas grandes disciplinas, a primeira filosófica e a segunda empírica, aportam hoje uma base de grande solidez, totalmente desconhecida, quando não absolutamente ignorada, pela maior parte dos juristas.
Da epistemologia do testemunho obtêm-se respostas à transcendental pergunta sobre quando estamos justificados em adquirir crenças ou conhecimento, como se preferir, a partir de fontes testemunhais. A psicologia do testemunho, de seu turno, brinda-nos uma quantidade imensa de informação relevante sobre o modo com que os humanos recordamos os eventos, quão confiáveis são nossas recordações em função de nossa idade, do tipo de evento específico que se trate de recordar, do modo com que se recupere a informação testemunhal etc.
Tudo isso tem implicações práticas no processo judicial de primeira magnitude, e nosso autor as extrai pontualmente nos últimos capítulos. Se você, leitor, tem esse livro nas mãos em uma livraria e está em dúvida sobre se deve adquiri-lo, sugiro que dê uma olhada nesses dois capítulos (ou mesmo somente leia as seis páginas do último, dedicado às conclusões). Verá, por exemplo, como (a) recomenda-se colocar a atenção da prova testemunhal nos erros sinceros (e não tanto na mentira); (b) conclui-se que a confiabilidade da informação testemunhal é muito baixa, razão pela qual sempre deveria ser corroborada por outros tipos de prova para poder justificar conclusões sobre os fatos; (c) essa confiabilidade pode ser maior ou menor, em todo caso, em função de como a memória tenha sido “custodiada” e de como tenha sido recuperada na ou nas declarações da testemunha ao longo do procedimento; (d) que as formas adotadas pelo direito probatório de todos os nossos países para produzir a prova pericial estão na contramão das recomendações que a ciência experimental nos dá para poder obter informação mais confiável; (e) que o modo de “preparar” e interrogar as testemunhas deveria mudar radicalmente, abandonando as perniciosas técnicas de interrogatório mal associadas à oralidade e visando a entrevistas que fomentem o relato livre da testemunha, seguido de perguntas formuladas pelo juiz ou por um profissional (ainda que propostas pelas partes); e (f) que o papel da imediação na valoração da prova testemunhal é nulo. Se essas conclusões, entre outras, lhe resultarem chamativas, estimado leitor, não duvide de adquirir o livro e lê-lo com atenção. Encontrará arrimos epistêmicos e científicos, provenientes, nesse último caso, da psicologia do testemunho, para todas e cada uma dessas.
Não existe na minha opinião um livro em espanhol que aborde com a amplitude de perspectiva de Vitor de Paula Ramos a prova testemunhal e que fundamente melhor como deveríamos repensá-la. Provavelmente porque são escassos os juristas que conhecem o direito processual e a prática forense, os debates da epistemologia do testemunho e os avanços da psicologia do testemunho como demonstra conhecer nosso autor.
Jordi Ferrer Beltrán