«Apesar de a falência poder ser abordada pelo menos a partir de quatro ramos do direito (direito civil, direito comercial ou direito da empresa, direito processual civil e direito do consumo), não se compreende plenamente a razão por que é tão grande em Portugal a escassez de obras jurídicas sobre o tema. Não pode ser a complexidade — aparente e real — da tarefa: são complexas todas as tarefas científico jurídicas levadas a cabo com seriedade.
A fim de contrariar a tendência, começou se neste estudo por algumas ideias comuns — bem simples — sobre a falência: a de que ela é um processo executivo, especial e concursual. Paralelamente às conclusões finais do trabalho, descobriu se que a falência convida à revisão de alguns institutos tradicionais do direito civil e do direito processual civil: a impossibilidade que caracteriza a insolvência não é subsumível ao conceito civilístico tradicional, a obrigação adquire, em certa medida, eficácia externa (a relação obrigacional do insolvente com cada um dos seus credores afecta as relações restantes), as causas de extinção das obrigações não se reduzem ao catálogo do Código Civil (o devedor pode solicitar no processo de insolvência a exoneração do passivo restante), o exercício do poder de execução pelos credores não depende de título executivo. Não pode esquecer se, por outro lado, que a falência é o domínio de aplicação por excelência do princípio civilístico da igualdade entre os credores. É verdade que nem todos os autores portugueses estão desatentos. Num dos seus primeiros estudos sobre o novo regime da insolvência, afirma exemplarmente ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO: "O CIRE vem relançar a matéria da insolvência. Fá lo pelo prisma da sua substancialização. Dispomos, agora, de novas bases para discutir temas como o da estrutura das obrigações e o da natureza da garantia patrimonial. A reconstrução dos direitos subjectivos na insolvência, com um tratamento autónomo para as posições pessoais, as relações duradouras e as situações potestativas, representam desafios jurídico científicos irresistíveis. Torna se agora mais viável, num momento histórico delicado, lançar um domínio autónomo: o Direito da Insolvência".
É inegável que a falência começa a exigir construções novas, mas de autonomia não se falaria, pelo menos por enquanto. O reconhecimento da matéria pelo ordenamento jurídico não passa necessariamente pela emergência de um ramo jurídico autónomo, podendo porventura "bastar se" com a instituição de uma disciplina unitária para a execução das obrigações pecuniárias, como já existe no direito federal suíço, nos termos da Loi fédérale sur la poursuite pour dettes et la faillite, du 11 avril 1889 (LP) / Bundesgesetz über Schuldbetreibung und Konkurs vom 11. April 1889 (SchKG).
Diga se, ainda, que se optou pela conservação da denominação clássica "processo de falência", em detrimento da mais recente "processo de insolvência". Compreende se a intenção com que o legislador do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas adoptou a última (a de expurgar o processo das habituais conotações negativas) e não pretende retirar se mérito à solução. Não se contesta o rigor — porventura maior — da nova expressão legal; o processo de insolvência é hoje, com efeito, o único processo aplicável à insolvência. A fidelidade à expressão antiga deve se apenas à convicção de que as palavras recebem, pelo uso, um significado de aceitação corrente e de que este deve ser preservado mesmo quando não condiga com o seu sentido etimológico — os usos terminológicos devem prevalecer sobre o rigor etimológico. Ora, a palavra "falência" tem um significado jurídico consolidado; continua, por isso, a ser aquela que melhor designa o objecto a designar: um processo cujo pressuposto é a insolvência e que tem finalidade liquidatória.»