O ponto de partida para a nossa análise é a nova percepção da Administração Pública, um entendimento moderno e mais feminino de uma Administração que ultrapassou a necessidade de se afirmar autoritariamente, diversificando as formas do agir administrativo, nomeadamente, com o crescente recurso à contratualização, ao pacto como alternativa à estatuição. Ultrapassou a necessidade constante de afirmação autoritária mas não prescindiu dos seus poderes públicos, pois a prossecução do interesse público exige que, ainda que contratualize em vez de ditar um comando, não perca a administratividade da sua actuação: a quadratura deste círculo é o que permite a emancipação (e o recurso crescente) à figura do contrato administrativo.
Estabelecidos estes pressupostos, poderemos dar o passo seguinte: centrar a nossa atenção numa das leis mais relevantes na área do Direito Público, o Código dos Contratos Públicos que, adentro o abordado movimento de contratualização, respondeu às necessidades de estabelecer um regime jurídico substantivo do contrato administrativo, indo, dessa forma, para além do que as Directivas comunitárias, de pendor marcadamente pré-contratual, exigiam.
Enquadrados, sumariamente, nesta ambiência contratualista, chegaremos, então, ao cerne da nossa investigação com a análise do contrato administrativo no Código dos Contratos Públicos e, impressivamente, começaremos não pelo contrato administrativo, mas pelo contrato público e, só depois de esclarecido este conceito, focaremos anossa atenção nos "contratos públicos que revestem a natureza de contrato administrativo" cujo regime substantivo é fixado na Parte III do Código dos Contratos Públicos procurando consolidar a noção de contrato administrativo que determina o âmbito de delimitação daquela partedo Código.
A fixação de um regime substantivo do contrato administrativo é um marco na discussão sobre a autonomia daquele contrato pois, com aquele regime, a autonomia substantiva do contrato administrativo ve sedecisivamente reforçada, como veremos, de tal forma que discutiremosa amplitude da reemergência do contrato administrativo no âmbito da actividade administrativa contratual para que se possa determinar qual o espaço efectivo do contrato administrativo naquele âmbito.
Depois de verificarmos, num corte externo, a situação actual do contrato administrativo e do seu regime substantivo, trataremos de entrar, precisamente, no regime substantivo e circunscrever o nosso objecto aos poderes que são reservados ao contraente público na conformaçãoda relação contratual e que correspondem à lógica da função presente neste modo de actuação pactuado da Administração e, bem assim, os poderes que assistem ao co contratante da Administração.
Vistos os poderes, restará indagar quanto ao modo do seu exercício, é dizer, qual a natureza jurídica da actuação do contraente público na conformação da relação contratual e, desta forma, chegaremos à discussão doutrinal sobre o "acto administrativo contratual" e o modo como o Código dos Contratos Públicos o resolveu do ponto de vistalegislativo e como, dessa forma, foi considerada a autotutela declarativa da Administração neste domínio contratual, bem como, o regime que os actos administrativos contratuais ficam sujeitos.
Ao cumprir com este plano de exposição teremos, com a presente dissertação, um subsídio para a compreensão do regime substantivo do contrato administrativo no Código dos Contratos Públicos, nomeadamente— e é relevante que seja nomeado pois dá o título a esta dissertação—, os poderes do contraente público. Com esta análise, faremosa viagem do contrato ao acto administrativo, dado que, o regime dos poderes do contraente público, nos faz regressar, depois de uma viagem contratual, ao acto administrativo (contratual).
Apresentado o plano da exposição, cumpre antecipar, desde já, o horizonte deste trabalho de investigação. O horizonte é marcadamente científico, com incursões na dogmática administrativa e pretende relevaros pontos atrás enunciados de forma simples e enxuta. Não é isto um acto de contrição antecipado porque julgamos não ter, na análise dos temas que nos propusemos tratar, ter cometido qualquer pecado científico, pelo contrário, julgamos que esta forma de pensar o Direito
Administrativo no âmbito do ensino superior universitário posterior à implementação do processo de Bolonha é a que se coaduna com o espírito daquela importante Reforma. Quando for oportuno, quando o tempo e o espaço da investigação o permitirem e exigirem, iremos mais longe, neste ou noutro tema.
As limitações desta dissertação prendem se com a natureza da matéria, profícua em ligações com outras temáticas (a história do contrato administrativo, a regulamentação comunitária da contratação pública e a teoria geral do contrato administrativo) e com outras análises (a complexidade dos poderes públicos do contraente público e as implicações, ao nível processual, da noção do acto administrativo contratual) que não foram objecto de um tratamento adequado em razão do tempo e do espaço deste trabalho, como deixamos, desde já, antever.