A arquitectura de Borromini representa uma particular competência para dispôr, com imaginação, da liberdade individual conquistada na luta ideológica travada no exacto lugar da sua actividade profissional, em conflito de valores sobre a arte e a vida, ganhando o direito de expressar uma leitura própria do fenómeno social desse tempo. Porque leitura pessoal e controversa, a resposta foi de ruptura com os valores dominantes, menos compreendida pela maioria dos seus contemporâneos. Exactamente o contrário de se exprimir como manifesto de princípios de um qualquer estilo sintetizador da política de então.
Tanto no que se refere a Borromini como a outros seus contemporâneos, o enunciado teórico que parece ter comandado a reflexão crítica sobre a arte por eles produzida foi o aparecimento em força do sentido da liberdade criativa, em contraste com uma prática codificada que os inúmeros tratados da época parece sugerir. O traço dominante da cultura arquitectónica de seiscentos foi o da experimentação de diferentes soluções espaciais e formais que pudesse dar satisfação a uma ânsia colectiva de espectáculo dos excessos, capaz de compensar o sentimento dominante de medo e dúvida face às contingências descontroladas de um quotidiano de crises. O génio criativo de Borromini tem sido colocado em paralelo com o de Bernini e, embora representando direcções opostas nos fundamentos e significado da sua arte, ambos contribuiram decisivamente para a consolidação do novo ideário artístico nos campos em que a ela se dedicaram. O que encanta em Borromini é o seu sentido de exclusividade. Contrariamente aos nomes mais marcantes do renascimento, este canteiro lombardo não se apresenta como homem universal explorando todos os campos do saber. Como filósofos estudando os clássicos, geómetras dominando as matemáticas, homens da artilharia construindo para a guerra, inventores de máquinas pelo domínio da física e da astronomia, poetas, desenhadores de mão livre e espírito solto, pintores, escultores, arquitectos. Borromini não é contribuiu de modo visível no esforço colectivo para o conhecimento do mundo, se bem que tenha sido um estudioso atento para a sua formação individual. Ao contrário de Bernini, um artista eclético da aristocracia romana cheio de subtilezas e encantos, que ainda pode representar um pouco esse papel.
A arquitectura de Borromini atinje uma intensidade e dramatismo que constitui real paralelo com a sua maneira de ser e a tornou tão manifestamente incompreendida, tanto por uma boa parte dos intelectuais romanos no tempo real da sua vida, como pelos historiadores dos séculos vindouros, que consideravam esta arquitectura excessiva e extravagante, vendo nela um populismo de época dominado pela carga decorativa. A posição interpretativa dos seus detractores não venceu, já que a receptividade pública da arte de Borromini acabou por contribuir para a chamada de atenção dos arquitectos mais atentos ao estudo dos métodos compositivos e tornou evidente que as variações dinâmicas muito criativas sobre a base clássica escondiam uma lição extraordinária de rigor e ciência geométrica no processo de modelação do espaço significante.
Trataremos, com Bernini, da ideologia da teatralidade e observaremos a subtileza dos valores simbólicos inerentes à elegância da composição plástica, num conjunto de formulações que enquadram o brilhantismo da afirmação do poder absoluto, enquanto sugerem a margem de liberdade para a interpretação dos valores expostos ao espectador. Com ambos, da força da atracção urbana das arquitecturas religiosas, num enunciado exploratório da arte como ideia de construção da cidade e esta como destino central do desenho de arquitectura.