Os versos do primeiro poema de Clepsidra, "Inscrição" - "Eu vi a luz em um país perdido./A minha alma é lânguida e inerme./ Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! / No chão sumir-se. Como faz um verme…" -, dizem o essencial da biografia e da obra deste poeta nascido em Coimbra (1867) e falecido em Macau (1926), após uma existência segregada desde o nascimento e a reunião tardia num escasso volume duma obra publicada dispersamente.
A poética da pura sugestão encontra em Pessanha um cultor de exceção; tudo é apenas insinuado, nunca dito, através de atmosferas onde o mistério e o sonho se cruzam para dizer o indizível como nesse extraordinário poema de amor e morte que é "Floriram por engano as rosas bravas…" Ao serviço daquela poética coloca o poeta o decassílabo para o qual encontra desvios inovadores e expressivos que trazem à sua poesia um timbre musical único. Fernando Pessoa terá confessado que conhecia quase todos os poemas de Pessanha de cor. É natural: a modernidade não vanguardista de Pessanha está-lhe nos genes.