Depois de ter publicado as minhas letras do fado vulgar (1997, reedição acrescentada em 2001), pensei que não viria a reincidir nova tentativa de escrever para o mais popular dos nossos géneros cantados. Todavia, em princípios de 2003 e a pedido de Mísia, concordei em escrever uma séries de letras para outras tantas músicas de Carlos Paredes, de que ela gravou a maior parte. Tratava-se de um desafio completamente diferente , uma vez que se tornava necessário preparar textos que "encaixassem" em peças musicais já existentes, o que implicava percorrer um caminho inverso daquele a que eu estava habituado. E com isso me vi envolvido numa experiência muito aliciante e muito complexa que, de resto, me permitiu compreender melhor as estruturas e as subtilezas do universo musical de Paredes.
Foi durante a feitura dessas peças que muitas outras ideias, que nestas coisas são como as cerejas, suscitadas à medida que os referidos textos iam sendo construídos para essa colaboração e discutidos com Mísia, deram lugar a mais uma série de letras para fado.
Na mesma fase ocorreu-me que seria possível estruturar uma sequência de peças em que uma mulher, sozinha no palco, refizesse em fado uma situação dramática do tipo da que é apresentada em La voix humaine, de Jean Cocteau. Daí os dois fados, "angústia ao telefone" que, intercalados numa série mais vasta de desesperos, poderiam pontuá-la.
A todas essas letras vieram agregar-se alguns textos em francês, também destinados a ser cantados, e mais uma ou outra peça incidentalmente produzida, como "coração", para a homenagem a Paredes, ou "fita encarnada", para a campanha de luta contra a sida, ou ainda "cristal", escrita a pedido de Cristina Branco.
Por tudo isso, estas minhas nova letras, que continuam a pretender-se " do fado vulgar", surgem sob o título mais fados & cia., que abarca todo o conjunto.
Vasco Graça Moura