Percorrem-se terras estremenhas meridianas no número 15 dos Anais
Leirienses no qual se apresenta ao leitor um dossiê especial dedicado ao
Sul do Distrito de Leiria. Paisagens do meio-dia de reconhecida beleza, a que
muitos escritores, entre os quais cumpre avocar Miguel Torga e José Saramago,
não ficaram insensíveis, deixando-nos páginas maravilhosas sobre os cantos do
mundo que nelas se guardam. A geografia e o passado histórico, na verdade,
aproximam e diferenciam os territórios do Maciço Calcário Estremenho, que
Leiria partilha, séculos há, com os demais concelhos do sul do seu distrito,
entre terra e mar oceano, serranias e lezírias, um mundo plural, de chegadas e
de partidas, de solidariedades e filantropias, com um património cultural
material e imaterial tantas vezes erguido em calcários brancos e rendilhados
como bordados finos, próximo e comum.
O passado marítimo atlântico é recordado pelas páginas dedicadas à vila
da Atouguia na Idade Média, que abrem a revista, seguidas por artigos que
apuram a história económica e administrativa fiscal dos concelhos do antigo
Couto de Alcobaça, de Porto de Mós, de Óbidos e da Atouguia. A cidade das
Caldas da Rainha assume justa centralidade neste número, recordando-se a sua
história e a ação beneficente da Rainha D. Leonor, senhora de Óbidos e
benfeitora fundadora do Hospital Termal de Nossa Senhora do Pópulo.
Apresentam-se estudos sobre o município do Bombarral, São Martinho do Porto e
os seus heróis, marítimos destemidos, sobre os “Serões de Alcobaça”, bem como
acerca do pintor Adriano de Sousa Lopes, das vivências sociais e associativas,
especialmente em Alcobaça, no começo do século XX e, ainda, da ação beneficente
do Lactário-Creche Rainha D. Leonor, do papel da Gazeta das Caldas na década de
1950 e da vida interventiva da Associação Património Histórico, sediada nas
Caldas da Rainha.
Outros estudos oferecem páginas sobre as terras de Pedrógão Grande,
Marinha Grande, Fátima e Ansião, focando-se vultos renomados na Literatura,
como Afonso Lopes Vieira, e na história recente da Igreja Católica, como o papa
Paulo VI, que visitou estas terras da Estremadura em 1967. As habituais seções
com documentos históricos, fac-simile e imagem, desta feita dedicadas a Caldas
e a Alcobaça, com o tradicional obituário, as notícias e o escaparate de
novidades e recensão de publicações sobre a região fecham o volume.
Sai este número alguns meses após o falecimento de dois conterrâneos do
mais elevado renome nacional possível como foram os Historiadores José Mattoso
e João Bonifácio Serra. O legado de ambos para a renovação da historiografia
portuguesa é, cada um deles nas suas cronologias e temáticas preferenciais,
incontornável, permanecendo, também, a memória do seu exemplo de cidadãos
empenhados que lutaram pelo robustecimento da Democracia, da Dignidade e da
Justiça em Portugal, assim como pela qualificação e elevação geral da vida
cultural do país. É importante não
deixar morrer a sua memória. A continuidade do projeto cultural que os Anais
Leirienses encarnam constitui uma forma de os recordar, de homenagear o seu
empenho, também, pela defesa da região estremenha que é a coluna identitária
que nos uniu e une, a eles e a nós, cujo sentido histórico permanece na
atualidade, assim como de merecer o legado científico e cívico que nos
deixaram.