No momento em que, no dia 25 de abril de 1974, entregava o Poder ao general António de Spínola, Marcello Caetano assumia a sua derrota pessoal como Presidente do Conselho, no termo de um consulado atribulado e complexo, feito de esperanças e desilusões, num permanente equívoco assente em equilíbrios impossíveis entre evolução e continuidade.
Mas o que derruía não era, nem apenas nem sobretudo, o seu projeto, mas o próprio sistema político que ele ajudara a construir, do qual fora um dos principais teóricos, e em cujo percurso se empenhara convictamente ao longo de dezenas de anos. Com ou sem Marcello Caetano, o Estado Novo cairia sempre. Porque já estava praticamente morto, esgotado.
Naquele momento, o último Presidente do Conselho carregava sobre os seus ombros todo o peso de quase meio século da história de Portugal, em que dominou o autoritarismo ditatorial de Salazar, a quem as leis da vida e da morte permitiram uma saída de cena mansa e tranquila. Um sistema autoritário que Marcello Caetano, peado pelos seus próprios pré-conceitos ideológicos, e numa luta cada vez mais solitária, não conseguiu nem podia reformar. A herança era demasiado pesada, os apoios escassos e as resistências vinham do próprio topo do Poder.
No dia do golpe, as forças supostamente fiéis ao regime não reagiram, não deram um passo, nem arriscaram um milímetro na sua defesa. O que é também uma manifestação gritante da «convicção» com que se afirmavam defensores do que diziam ser os «valores perenes da Pátria».
Ao contrário de quase todos os que ? o Palácio de Belém incluído ?, salvaguardando-se na fidelidade à pureza dos princípios herdados, nunca avançaram para além das críticas, Marcello Caetano assumiu-se como um político de corpo inteiro. E não faz sentido, do ponto de vista da história política, isolá-lo como único e exclusivo responsável pela situação que, inviabilizada qualquer transição pactuada, impôs o golpe de 25 de abril de 1974.
As próprias elites ? e não apenas as elites políticas ?, não apostaram nele, mantendo-se, quando muito, em prudente reserva. As elites portuguesas sempre preferiram as certezas do passado às incertezas do futuro, reconfortando-se num presente pequenino e sem horizontes. Aqueles que se diziam herdeiros dos descobridores de Quinhentos que, dominando medos e pavores, se abalançaram, com êxito e glória, num salto sobre o desconhecido, mantiveram-se amarrados ao cais do Restelo, onde uma espécie de mar, lânguido e sonolento ? em brutal contraste com o fragor medonho do Cabo das Tormentas, tão epicamente evocado por Camões e Fernando Pessoa ? os embalava numa modorra acrítica, estéril e inoperante, com se a História tivesse parado no Infante D. Henrique. Só que o Infante era o Futuro, o Risco, a Audácia, e os que se assumiam como seus herdeiros não passavam de uma corte de usufrutuários das migalhas que restavam do Mundo cujas rotas ele abrira, ganhando um lugar na História. Aos últimos não restaria mais do que uma apagada nota de rodapé nas vulgatas da história de Portugal.
No dia 25 de abril de 1974, Marcello Caetano caiu de pé, absolutamente só.